2 de setembro de 2010

Ser e não ser

Hoje vou postar um poema de um cara muito importante nessa minha vida de escritos. Já falei dele aqui no blog: Cássio Fonseca. Um primo meio distante, mas que virou um amigo. Já dizia o poeta torto "Família não é sangue, família é sintonia". E não é verdade? (Sem qualquer apologia.) Dizem que os amigos são a família que a gente escolhe, e eu acho que é bem por aí mesmo. Então esse meu primo ao quadrado foi o cara que mais me incentivou a escrever e a divulgar isso de alguma maneira. Assim sendo, cá estou.

Este poema do Cássio é um dos que mais gosto. Gosto porque ele é de uma sinceridade bárbara. O eu lírico é franco, fala de uma maneira leve, mas, ao mesmo tempo, com uma profundidade incrível. Para mim, escrever bem é isso: não precisar usar linguagem rebuscada, termos que a maioria das pessoas nunca usa (em muitos casos, nunca nem ouviu falar), palavras que apenas existem como uma relíquia da língua vernácula. Até respeito, mas não admiro. A descrita do Cássio é o oposto, uma linguagem acessível, clara, simples e leve. Mesmo que em alguns casos aconteça o que eu disse, ou seja, tenha uma profundidade incrível.

Neste poema, chamado "Ser ou não ser" (sinto uma fragrância shakespeareana no ar...), o eu lírico passa uma mensagem em linguagem leve, mas que eu percebo como um peso enorme. Porque ele diz tudo que ele não é para sua interlocutora (considero uma interlocutora com base no autor e no uso do masculino na segunda linha - mas cada um entende a situação como preferir...), como que justificando seu adeus "ingrato". Talvez nem seja uma justificativa. Talvez um adeus nem seja ingrato. Mas fica a critério de cada um a interpretação. Bem, chega de opiniões minhas, vamos ao poema do meu primo:

Ser e não ser

Não sou tua sombra.
Não sou o autômato que te espreita
nem o espectro que te ronda.
Não sou remédio pra tua maleita.

Não sou o espelho de tua alma.
Não sou tua paixão embrulhada em presente
nem o amor repousado em tua palma.
Sou apenas semente.

Mesmo que minha intenção seja teu gozo.
Mesmo que minha razão seja teu desatino.
Mesmo que meu peito seja teu repouso.
Não sou teu destino.

Mesmo que meu ensaio seja teu primeiro ato.
Mesmo que meu talvez seja teu sim.
Mesmo que meu adeus seja ingrato.
Sou apenas começo, sem meio e fim.


Aí está. Uma verdadeira obra de arte, não? Acho este poema de uma sensibilidade fabulosa. Eu, particularmente, gosto desses paradoxos, da escrita com paixão, mesmo que seja com o propósito de um fim.

Falando em fim, a última linha é demais! Quando ele mandou este poema junto com outros para eu fazer a revisão, não percebi o significado desse último verso. Pensei apenas no ritmo e sugeri que ele colocasse "Sou apenas começo, sem meio e sem fim." A fina Flor da esperteza que vos fala (ou que vos escreve, neste caso) não notou o encanto do "e fim". Foi preciso o Cássio me dizer. Dá para acreditar? Não me orgulho disso... que vergonha! Mas, assim, a magia foi maior. Minha perspicácia de Chapolin Colorado pelo menos serviu para dar mais surpresa a esta linha. Aí gostei mais ainda, pois fica muito bonito deste jeito, sendo o "e fim" o sem-fim do eu lírico (que é apenas começo, sem meio e também sem fim) e o fim do poema. Ah, lindo!

Vale a pena reler. Vale a pena voltar e prestar atenção aos detalhes, aos paradoxos, às nuances, à sensibilidade, à escolha cuidadosa das palavras que dão a rima. Receber um adeus assim nem dói tanto... Ou dói mais ainda, né?! Afinal, o que a mulherada busca hoje em dia são os caras sensíveis. Aí vem um eu lírico desse e termina com ela dessa maneira, putz! Acho que se fosse comigo eu chorava de esguicho... Mas depois me consolava com tamanha beleza. Eu haveria de convir que dificilmente alguém recebe um adeus desta forma. Como um adeus pode ser ingrato com tanta consideração? Sim, acho que é consideração, pois o cara é sensível, é cuidadoso, tem tato, não chega terminando de qualquer jeito. É, se fosse comigo, eu primeiro ficaria arrasada de ter que deixar partir um cara sensível assim, mas depois ficaria até honrada com a forma e delicadeza do adeus. Na verdade, até que a dor passasse, eu ficaria oscilando entre ambas as reações!

Mais uma vez, parabéns, Cássio, pelo seu talento! E pela generosidade de nos deixar colocar seus poemas aqui no blog. Em breve haverá outros!

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